Criança é um estado de espírito, é ser livre para sonhar. Tudo pode. O adulto que se permite voar carrega eternamente sua criança interior. Assim são Sandra Peres e Paulo Tatit. Eles se cruzaram já na fase adulta, mas, de imediato, seus espíritos infantis se reconheceram na paixão em comum pela música. Deste encontro, nasceu o projeto Palavra Cantada, que festeja 30 anos criando um universo lúdico e escrevendo uma importante página na cultura brasileira, encantando diversas gerações de crianças e adultos. Como toda festa que se preze, não poderiam faltar os parabéns. Mas quem ganha o presente é o público, com o lançamento do novo álbum ‘Cenas Infantis’, mais um capítulo dessa história, no qual o boi malvado se apaixona, a rã se acha, o gatinho levado pensa, os insetos clamam por justiça, as crianças aprendem a perder, anjos e curumins dançam. É o mundo mágico da Palavra Cantada.
Tudo começou com a ideia de fazer um álbum com canções de ninar. O projeto reunia vários convidados e resultou em um grande sucesso, sendo o embrião para o nascimento da Palavra Cantada, em 1994. Dois anos depois, surgiu o ‘Canções de Brincar’, de onde saíram sucessos como ‘Sopa’ e ‘Aniversário’, entre outros, clássicos obrigatórios em shows até hoje. “A gente queria criar um repertório que tratasse de temas atuais e também de temas que são cotidianos e muito conhecidos das famílias: a hora de dormir, a brincadeira, a comida, a família, o afeto, a relação com a escola. Tudo isso a gente sempre tratou nas nossas músicas”, explica Sandra.
Nessas três décadas, foram 430 composições autorais e três milhões de inscritos no canal oficial do youtube, que conta com 2,3 bilhões de visualizações. São anos de trocas e aprendizados mútuos entre a dupla e seu público. “A gente entendeu que as crianças apreciam música! Elas se emocionam com melodias e letras sensíveis. Elas adoram ritmos forte, dançar sozinhas ou em roda, amam letras bem-humoradas, nos ver tocar nossos instrumentos, até imitam a gente e os músicos que nos acompanham. E ainda adoram as “coisas esquisitas”, tais como palavras estranhas, expressões inesperadas, danças inusitadas, brincadeiras musicais e tudo que seja fora de formatos pré-existentes”, vibra Paulo.
Sandra Peres também não esconde o fascínio em vivenciar o universo infantil e poder contribuir para a formação dos novos indivíduos. “Para mim, a maior beleza, a maior alegria em fazer música para criança é poder ter um contato muito profundo com o meu sentimento em relação à minha criança e o que eu sinto pelas crianças, porque eu não escolhi ser mãe. Então, a minha relação na observação da criança, dentro da alma dela, dentro da expressão dela, é muito gratificante, é uma experiência muito boa e definitiva, porque cada criança é um universo e esse universo sempre traz uma grande surpresa. Poder fazer música para criança também me faz ter uma responsabilidade enorme do que eu estou oferecendo como nutrição musical para aquele ser”, revela.
Cenas infantis
O álbum ‘Cenas Infantis’ é o vigésimo da Palavra Cantada e começou a ser gestado em junho de 2023. O processo de gravação demorou três meses. “Primeiro, mostramos as ideias um para o outro e para o produtor. Fizemos gravações para memorizar essas ideias e tentamos dar um formato para a maioria das canções. Em julho, tiramos férias e foi ótimo para convivermos com o que já tínhamos feito. Em agosto, entramos no estúdio Space Blues e começamos a gravar para valer”, explica Paulo. As gravações encerraram em setembro e o álbum seguiu para mixagem e masterização.
‘Cenas Infantis’ traz 13 canções inéditas e duas regravações. O primeiro single foi ‘Boi Zé Bu’ (Paulo Tatit/Zé Tatit), que chegou às plataformas em junho. O álbum está sendo lançado junto com o clipe de ‘Liberem os brigadeiros antes dos parabéns’ (Sandra Peres/Luiz Tatit). Essa escolha não foi por acaso. “Eu acho que todas as canções que estão no ‘Cenas Infantis’ são uma forma de celebrar, mas tem uma música chave que é justamente ‘Liberem os brigadeiros antes dos parabéns’. É uma música ícone, né? O nosso parabéns para você dar à Palavra Cantada”, brinca Sandra, que ressalta a importante mensagem da composição: “ela se relaciona muito com deixar para depois o que a gente pode fazer agora. As coisas, elas têm as ações, elas sempre têm um percurso, um começo, meio e um fim. Poder comer um doce, esperar os parabéns, porque a foto não vai ficar tão bonita, não é tão relevante. “A gente não quer só comida, a gente quer diversão e arte”. Acho que a gente tem que ter essa liberdade na vida para celebrar, sem um horário marcado”.
‘Liberem os brigadeiros antes dos parabéns’ é dedicada à Rita Lee. “Tem tudo a ver com ela, né? é um rock’n’roll, o primeiro rock’n’roll que eu faço. A Rita é uma referência para mim, pela sua relação com o mundo, pela sua expressão, pela sua composição, a forma como ela via a vida e como isso ficou impresso nas suas canções”, exalta Sandra. Essa canção levou anos sendo gestada. Calculo que tenha uns 10 anos que a Sandra fala e tenta fazer a Liberem os Brigadeiros. Enfim, chegou a hora dela”, celebra Paulo.
Já ‘Chama pra Dançar’ (Sandra Peres/Paulo Tatit) convida Xangô, Tupã, Ganesha, Buda, Guaraci, Jesus e Oxalá, entre outros, para a dança. Nada mais natural do que dedicá-la a Gilberto Gil. “O Gil sempre foi um mestre na música e na sua maneira de ver o mundo. Ele é aberto, ecumênico, tem uma religiosidade muito grande, mas sem uma religião formal”, explica Paulo. “A minha relação com o Gilberto Gil não é só com a obra dele, que para mim são orações. A minha relação é muito com ele. Para mim, Gil é meu professor. Tem muitas coisas da minha vida que, às vezes, vou pensar: como é que eu resolvo isso? como é que eu faço? como é que o Gil falaria isso? como é que ele resolveria isso?”, complementa Sandra.
Chico César é o convidado especial de ‘Chama pra Dançar’. “O Chico é meio que um profeta que faz os fiéis olharem a vida de maneira enviesada”, reflete Paulo. “Ele é um panteão, uma figura, um compositor maravilhoso, um intérprete, um militante, muito importante na música, na história, na política, no Brasil”, enfatiza Sandra.
O repertório traz ainda canções inéditas como ‘Ninguém gosta da gente’ (Paulo Tatit/Zé Tatit), ‘O gatinho Zás Trás’ (Sandra Peres/Paulo Tatit/Zé Tatit), ‘A casa abandonada’ (Paulo Tatit/Zé Tatit), ‘Tenho o sol e a lua’, (Sandra Peres/Zé Tatit), ‘Pé no Barro’ (Sandra Peres/Luiz Tatit) e ‘Saber Perder’ (Paulo Tatit/Zé Tatit), entre outras. As duas regravações são ‘Ciranda’ (Sandra Peres/Zé Tatit) e ‘Duelo de Mágicos’ (Paulo Tatit/Zé Tatit). “‘Cenas Infantis’ fala sobre como a infância pode ser ampla e para quantos lugares a gente pode olhar e ver coisas diferentes, que são coisas do universo, referências, sentimentos, elementos da infância”, explica Sandra.
O produtor Ricardo Mosca é outra peça fundamental na criação do álbum. “Um bom produtor nos ajuda a conseguir materializar as ideias que a gente tem e, até mais, faz com que essas ideias sejam maiores ainda”, vibra Sandra. Ricardo Mosca toca bateria em várias faixas. Sandra e Paulo participam da criação de toda a concepção musical do projeto e dos arranjos e tocam vários instrumentos: Sandra, piano e Rhodes. Paulo, violão, guitarra, baixo e bandolim (ver ficha completa ao final).
O Coral Palavra Cantada tem uma participação essencial em ‘Cenas Infantis’. O projeto social existe há 13 anos e é totalmente gratuito. As crianças podem se inscrever e passar por uma seleção musical para integrar o coral. “Esse álbum foi o trabalho no qual mais apelamos para nosso coral. Em quase todas as canções ouviremos as crianças. Na verdade, quando cantam elas representam as crianças, que são as destinatárias de tudo o que fazemos. E é muito gostoso e fácil trabalharmos com crianças preparadas, aparelhadas para cantar. Elas estão muito afiadas!”, celebra Paulo. O maestro Eduardo Boletti faz a regência, os arranjos e a preparação vocal do Coral. Lin Torres divide a regência e a preparação vocal.
Palavra Cantada e a educação
O lançamento de ‘Cenas infantis’ reafirma o compromisso de Sandra Peres e Paulo Tatit com o crescimento das crianças. Não à toa, a Palavra Cantada tem sido, ao longo dos anos, uma importante aliada da formação educacional de milhares de crianças. O repertório da dupla integra o material escolar de diversas instituições de ensino desde 2011, com o lançamento de um projeto educativo especial, que conta com um material pedagógico desenvolvido pela Palavra Cantada em parceria com professores e pedagogos.
A iniciativa alcançou mais de 1 milhão de crianças no Brasil e, em 2022, uma nova versão do programa ganhou vida, conectando-se às aprendizagens essenciais da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) através de livros que não se limitam só à música, mas abordam também várias áreas do conhecimento de forma envolvente e divertida. “Os educadores-autores se utilizam de nossas canções para criar um vastíssimo material escolar que, partindo de alguma canção, se desenvolve de maneira transversal e vai desenrolando temas, puxando conversas, debates, tudo com muito envolvimento das crianças, pois elas já conhecem as canções e se emocionam com elas”, explica Paulo.
O sonho de contribuir para a formação infantil segue inabalável. “Uma criança poder repetir e cantar o que a gente escreveu é maravilhoso, porque é um mantra, que faz ela se vincular e aprender e se inspirar em temas com os quais ela não lidaria normalmente. E nós adultos também. Eu sempre digo que a música nos leva a um estado alterado de consciência e esse estado alterado nos traz muita repercussão emocional, espiritual e física. E é muito importante a gente vibrar com a música. Muitas vezes, ela não precisa ser só de alegria, pode ser de tristeza, ter melancolia, raiva”, enfatiza Sandra. “Eu gostaria que as crianças que ouviram Palavra Cantada na infância se tornassem adultos maduros, inteligentes, conscientes, educados, espertos, amorosos e bem-humorados”, finaliza Paulo. A criança que existe em cada um de nós seguirá sempre viva através da obra eterna da dupla.