Recentemente, um adolescente de 13 anos, morreu por overdose de antialérgico após participar do “desafio Benadryl” no TikTok. A “trend” da rede social incentivava a tomar altas doses do remédio (medicamento antialérgico que induz alucinações) e filmar as alterações no corpo. O adolescente estava em casa, com os amigos e acabou falecendo.
Afinal, quais os perigos das redes sociais entre crianças e adolescentes? Qual a idade segura e como estabelecer limites? Usar estas plataformas pode viciar? Como estabelecer um limite seguro?
Frequentemente recebemos no Instituto Delete esta pergunta de famílias preocupadas com o uso excessivo das redes sociais entre crianças e adolescentes.
A seguir, vamos compartilhar algumas orientações importantes para pais e educadores a partir do conhecimento que adquirimos em nossas pesquisas e atendimentos clínicos.
Primeiro, é muito importante contextualizar que a idade deve ser um fator limitante.
É muito comum os pais entregarem tablet ou smartphones com a função de “babá eletrônica” ou “chupeta digital”. No início, parecem uma simples alternativa de distração em momentos do almoço ou jantar. Entretanto, depois de um tempo, as crianças passam a chorar e implorar pelos dispositivos. O que parecia bom (e estimulado pela família) se torna um pesadelo para os pais.
Crianças com menos de 3 anos não devem ter nenhum acesso a telas em nenhuma hipótese. A exposição a dispositivos eletrônicos pode prejudicar o desenvolvimento cognitivo, emocional e social.
Esta idade é crucial para o desenvolvimento cerebral, e crianças precisam de estímulos e interações do mundo real para desenvolver habilidades importantes, como a linguagem, a coordenação motora, a capacidade de solucionar problemas e a socialização.
Uma tela não é capaz de estimular o desenvolvimento dos sentidos, como a compreensão da forma, profundidade e cheiro. Além disso, a exposição a conteúdos inadequados ou violentos pode afetar negativamente o comportamento e a saúde emocional da criança.
Nesta idade, as crianças devem ser estimuladas a brincar, ler livros, interagir com outras pessoas e explorar o mundo ao seu redor de maneira segura e supervisionada por um adulto.
Em geral, também temos observado um elevado número de crianças com a sua própria página nas redes sociais. A recomendação médica é utilizar estas plataformas somente a partir dos 16 anos (e com supervisão e monitoramento dos pais e responsáveis).
Na faixa etária de 11 a 15 anos, ainda está em formação o córtex pré-frontal e, consequentemente, não está completa a plena capacidade de julgamento. Nesta idade, as crianças começam a pensar de forma mais lógica e sistemática, entretanto ainda tendem a crer que tem controle sobre o mundo ao seu redor e nunca vão morrer (onipotência universal, segundo Jean Piaget). Do outro lado, os pais acreditam que seus filhos já conhecem os perigos da vida e, flexibilizam a sua supervisão, aumentando o risco de acidentes.
O uso precoce de mídias sociais em crianças e adolescentes pode levar a uma autoimagem distorcida e a problemas de saúde mental. As plataformas sociais estimulam uma cultura de comparação constante, o que pode levar a uma pressão psicológica para se conformarem a padrões irreais de beleza e sucesso.
A busca constante por validação social nas mídias sociais pode levar a um distanciamento da vida real, dificultando a construção de relacionamentos significativos e saudáveis. Inúmeros filtros e um recorte da realidade colocam o seu filho em um palco perigoso de idealização. Uma pesquisa realizada nos EUA, apontou que 20% dos estudantes de ensino médio afirmaram ter pensamentos suicidas e 9% tiveram ao menos uma tentativa.
É importante que as crianças e adolescentes aprendam a valorizar sua individualidade e a se concentrar no desenvolvimento pessoal (autoconhecimento e aceitação) em vez de se comparar constantemente a outras pessoas nas mídias sociais.
Eles devem ser estimulados a praticar atividades de lazer que promovem a autoexpressão e a criatividade (como esportes off-line e tarefas artísticas) e estimulam autoestima, autoconhecimento, socialização e comunicação interpessoal.
Controle parental de monitoramento da internet é uma tarefa obrigatória para todas as famílias que se preocupam com risco de pedofilia, cyberbullying ou ainda prejuízos com auto exposição inadequada.
Os pais devem monitorar essencialmente 4 aspectos: conteúdos, conversas, pessoas e tempo.
Você sabe qual o tipo de conteúdo o seu filho ou filha consome ou posta? São conteúdos sensualizados ou extremistas?
Quem são os amigos virtuais do seu filho? São desconhecidos que pediram para ser adicionados ou já se encontraram no mundo real? Sobre o que eles conversam? São assuntos de adultos? Quanto tempo seu filho gasta na internet? Ele fica até muito tarde no celular ou computador?
Existe um fator de correlação muito alto entre o uso excessivo de telas entre crianças e adolescentes e outros transtornos de saúde mental como depressão, pânico, ansiedade e transtornos alimentares.
Isso acontece porque mídias sociais, games ou internet em excesso podem gerar prejuízos no sono, falta de atividade física, isolamento social, dificuldades de expressão e linguagem, além da exposição a conteúdos violentos ou perturbadores.
SOBRE CONTEÚDOS VIOLENTOS OU PERTURBADORES: A internet não é um lugar seguro. Deixar o seu filho navegar livremente sem supervisão é como entregar a chave da sua casa e deixá-lo decidir quem vai entrar. Jovens do sexo masculino são particularmente vulneráveis a serem expostos a conteúdo violento e extremista em plataformas como o TikTok, enquanto as meninas estão mais propensas a enfrentar situações de abuso sexual. Apesar de menos conhecido pelos pais, o Discord também tem sido associado a denúncias de exploração sexual e extremismo. Se o seu filho ou filha apresentar comportamento violento nas redes sociais, é fundamental buscar ajuda profissional o mais cedo possível. Observe os sinais mais graves, como comportamentos frequentes que incluem causar danos a si próprio, a outras pessoas ou à sua residência.
SOBRE ANSIEDADE E DEPRESSÃO: O sistema de recompensa de uma rede social (engajamento a partir de curtidas, comentários e sentimentos) ativa o mesmo sistema neurobiológico estimulado no consumo de álcool e drogas, liberando no corpo substâncias como dopamina e serotonina que geram uma sensação de prazer. Entretanto, na prática, o efeito da dopamina digital não dura muito tempo e a criança ou adolescente passa a ter um comportamento repetitivo em busca das mesmas sensações de prazer vivenciadas anteriormente, e começa a lentamente substituir as relações da vida real pelo mundo virtual. Pesquisas indicam que 48% dos estudantes se declaram mais infelizes do que seus amigos nas mídias sociais (“depressão das mídias sociais”), pois substituem as relações da vida real pelo mundo virtual e vivem uma história editada que não conseguem sustentar no dia a dia. No TikTok e Instagram, não existe problema financeiro, todos tem dinheiro, o emprego dos sonhos, o casamento perfeito, viagens maravilhosas.
SOBRE ISOLAMENTO SOCIAL: Aos poucos, a hiperexposição das telas diminui o desenvolvimento cognitivo e gera perda nas relações intrafamiliares. Em casos mais extremos, algumas crianças e adolescentes chegam a ficar conectados por horas dentro do quarto, negligenciados as noções mais básicas de saúde e higiene (esquecem de tomar banho, comer ou escovar os dentes).
SOBRE DIFICULDADES NA COMUNICAÇÃO INTERPESSOAL: Percebemos alguns jovens com dificuldade de expressão e linguagem (não conseguem formar uma frase com a estrutura lógica de sujeito, verbo e objeto). Vale reforçar aqui o possível impacto do excesso da comunicação não-escrita (emojis) e aplicativos que aceleram a mensagem.
SOBRE PREJUÍZOS NO SONO: O uso de dispositivos eletrônicos antes de dormir também pode interferir no sono, afetando a capacidade de aprendizado, atenção, memória, e consequentemente atrapalhar o desempenho escolar. Atualmente percebemos um excesso de crianças supostamente diagnosticas com TDAH, mas pouco se questiona sobre a qualidade do sono e uso de telas. A sociedade médica orienta que devemos desconectar das telas ao menos 2 horas antes de dormir para evitar o “sonambulismo digital”.
SOBRE SAÚDE FÍSICA: O sedentarismo associado ao uso excessivo de telas pode levar à obesidade, problemas de postura e dores musculares. Percebemos alguns pais preocupados com transtornos alimentares de seus filhos, mas pouco atentos a questão do uso de telas (pode ser a causa raiz do problema).
MAS AFINAL, POR QUE AS REDES SOCIAIS FAZEM UM SUCESSO TÃO GRANDE ENTRE CRIANÇAS E ADOLESCENTES?
Nesta idade, eles buscam autonomia, senso de pertencimento e liberdade para expressar todas as emoções. Uma mídia social é muito sedutora porque proporciona tudo isso: autonomia (plataforma livre para acessar qualquer conteúdo); pertencimento (interação e identificação com outras pessoas que compartilham do mesmo pensamento ou hobby) e liberdade de expressar emoções (possibilidade de ser aceito e compartilhar sentimentos).
Ao mesmo tempo, a psicologia positiva explica que a felicidade existe a partir de coisas que te proporcionem sentido, pertencimento e realização. Uma mídia social proporciona sentido (lugar de encontro e curadoria de conteúdo), pertencimento (identificação com a rede) e realização (recompensa a partir de curtidas).
É importante definir limites de horário nos dispositivos e ocupar esse novo tempo que passará desconectado por novas atividades offline, substituindo aos poucos o mecanismo de recompensa virtual por gratificações na vida real.
Por exemplo, cuidar de cachorro ou algum pet pode ser um poderoso aliado no combate a ansiedade ou depressão, pois também proporciona sentido (comprar ração, alimentar, dar banho), pertencimento (levar para passear ou ir ao veterinário e interagir com outras pessoas) e realização (afeto e carinho que os pets distribuem). A mesma coisa também acontece com outras atividades offline como jogar bola, aprender algum instrumento musical, cozinhar, ir ao cinema etc.
O QUE PAIS E EDUCADORES PODEM FAZER PARA ESTIMULAR O USO CONSCIENTE DE TELAS?
O papel de pais e responsáveis deve ser de educar e acolher. Definir limites é um ato de amor. Estabeleça regras realistas para sua casa, como o tempo gasto em telas, mídias sociais ou internet, incentive atividades físicas e sociais offline.
A seguir, seguem 4 dicas e orientações para o uso consciente de tela:
(1) Construa vínculos emocionais seguros e um ambiente de estabilidade (a casa deve ser um lugar de acolhimento e alegria. Do contrário, a internet servirá como fuga e idealização);
(2) Promova momentos de espontaneidade e lazer offline (encontre tempo ocioso e abra espaço para o inesperado. A criatividade é um poderoso estimulante da autoestima).
(3) Defina limites realistas e exerça o autocontrole (explique as regras da casa e evite concessão. Mantenha consistência e coerência. Importante dar o exemplo).
(4) Crie um canal de escuta e empatia (promova um espaço aberto, de confiança e identificação. O adolescente usa a agressividade para despertar a atenção e reconhecimento).
*Por Eduardo Guedes, membro do Instituto Delete, pesquisador do Instituto De Psiquiatria da UFRJ e especialista sobre o impacto das redes sociais no comportamento humano.
Sobre o Instituto Delete
O Instituto Delete é um centro pioneiro e de referência que há mais de 10 anos pesquisa e trata pessoas com uso abusivo ou patológico de telas e internet. Surgimos dentro do Instituto de Psiquiatria da UFRJ e já realizamos mais de 1000 atendimentos.